E se tudo o que usássemos fosse sagrado, se tivesse vida? Objectos, quero dizer.
O prato sagrado, o pano do pó sagrado, a camisola de inverno sagrada, o telemóvel sagrado… tudo. Não no sentido de valioso, caro… mas no sentido de único, com história, com propósito. Isso, com espírito! Se olhássemos para aquilo de que nos servimos para viver neste planeta com essa reverência, com essa consciência, com esse encanto?

Parece impossível, tanto quanto inverosímil … mas pensando nisso sabemos que é verdade, que acontece. Toda a gente tem objectos na sua vida para que olha dessa forma. Menos provável que seja um pano do pó… Mas são coisas que têm poder, guardam memória, oferecem-nos uma certa energia, aos quais estamos profundamente ligados. Aposto que é fácil lembrar de, pelo menos, um.

Mas o que atiro aqui é a possibilidade de que consigamos olhar assim para tudo o que nos rodeia. Um olhar de gratidão e de respeito pelos objectos com que interagimos e nos fazem, de certa forma, viver. Mas é uma ideia que nos faz ficar assoberbados. Pelo menos, eu fico. Mas sabemos que é possível, só o simples facto de concretizar pensamento sobre isso, é prova de que é possível ter consciência sobre a existência de tudo. O que nos impede?

É o mundo que construímos, o que cravamos na nossa noção de sobrevivência, o que valorizamos como espécie. Ser Humano, acima dos outros animais, acima de outros seres vivos, acima das montanhas e das pedras que as fazem. E que fantástica capacidade temos de pensar sobre tudo o que está para além de nós, e de definirmos tudo sem sermos nada mais do que só humanos.  Não somos areia, mas sabemos o que é areia e sabemos que não tem vida. Não tem? Um grão de areia da praia tem uma história maior do que qualquer um que sabe decifrar estas palavras, mas toma-mo-la como coisa vã. Somos muito engraçados. Tão superiores e tão limitados.

Para nosso próprio bem, não podemos pensar em cada grão de areia com que nos cruzamos. Quem se vê mais perto desse estado de consciência, fica doente e incapaz. Não fomos desenhados para tão grande sensibilidade (?). Mas também não aguentamos viver sem essa conexão suprema com o que nos rodeia. Sabemos cada vez melhor disso. Sabemos já tantas coisas…  Eu sou assim também. Incongruente. Quero um mundo melhor e dou passos em falso. E volto ao meu caminho (que, a mim, calhou ocultado)

No Natal passado fiz algumas compras na Planeta R para brindar o ano passado com quem comigo o viveu. Ao navegar no site vi uma prensa de secar flores para criança que quase comprei (para mim!) de tão linda! Mas fiz as perguntas mágicas: “mas precisas mesmo?”  – Sim! Andava há bastante tempo a secar flores no meu “Grande Livro da Costura” que, sendo algo romântico, estava a estragar o volume; “Mas não consegues fazer tu?” – Não! madeiras não é o meu forte! (infelizmente!! adoraria!!!); “OK… É necessário e útil, é gentil e belo… certo… mas é para oferecer a ti? Que diz o pai Natal disso?!” [AHAHAHAHAH]….. o pai (Natal) pode fazer!!! Ele sabe fazer e já não me chateia a perguntar o que quero! Quero uma prensa!!!!)

O meu pai fez-me uma prensa. Eu só queria duas tábuas para aparafusar uma na outra… mas ele quase que escreveu uma tese sobre o assunto. E apresentou-ma. Então, eu sei muito sobre as minhas duas tábuas que aparafusam uma na outra. Duas tábuas para eu capturar a natureza. Flores secas que, muitas vezes, as uso para enfeitar os envios das encomendas. Algo perfeitamente dispensável, com um valor incobrável, mas que me é incontrolável, instintivo, que torna tudo mais sentido, mais encantado!

Essas duas tábuas já traziam história, uma alminha nascida, mas eu queria-as mágicas!!! E assim, recorri a uma artista do meu coração – a Lígia Santos – para que ela fizesse o que quisesse (eu sabia que o resultado seria o que eu queria).  Aqui está o resultado. 

Ao pousar os meus olhos no trabalho da Lígia vi-me ao espelho. Não sei se sou eu, mas é assim que quero ser. Que felicidade tenho de me poder ver assim!

E agora estas tábuas têm o meu pai e têm a Lijó, mas não são eles – são a minha prensa cheia deles e de tudo o que eu vier a fazer com ela.

Não tenho consciência de tudo nem de todos os meus gestos. Mas quando pegar nesta prensa…. ela vai-me lembrar desse devir que está em mim para cumprir: encantamento.