A minha avó Laura é do tempo das mulheres de luto negro… mas nunca houve morte que a vestisse de preto…. nem no lenço. Foi uma mulher rebelde e sempre colorida. Preto… só mesmo os cacos de Bisalhães que comprava na feira de São Pedro (Vila Real) juntamente com imensas loiças esmaltadas e cestas merendeiras. Gostava do artesanato tradicional e só não havia mais Minho em casa porque não era terra dela. Era uma obcecada por crochet. Adormecia a fazer crochet. Aqui por casa ainda se usam duas colchas hiper-coloridas de…. crochet: quadrados centrados por flores em relevo. A costura era coisa da Tia Emília, irmã. E como os trapos são dados a serem de todas as cores, passava muitas horas a ajudar e a dar trabalho à irmã. Surpreendi-me algumas vezes ao olhar para uma ou outra saia que ela trazia vestida…. “um pedaço de um velho vestido meu???”. As saias da minha avó eram muito estranhas… eram feitas de remendos. Sempre fui menina de não me envergonhar com “dos meus”… mas confesso algum constrangimento com as saias da minha avó. Tinha uma irmã costureira (muito boa, por sinal), e um pedaço de fazenda na feira não havia de ser uma fortuna: por que raio andava assim andrajosa??? E lembro-me de umas almofadas, que eram uns peixes em tecido com muitas escamas coloridas, que elas faziam em conjunto. Falo no passado não porque alguma delas tenha morrido, mas porque estão as duas muito velhotas: a Tia Emília nos 80, sem costura, e a Avó Laura nos 90, acamada. E é nessa condição que a casa dela já não é… tão fantástica e colorida. Com muita pena e saudade minha… o artesanato vai desaparecendo e o kitsch maravilhoso da minha avó vai sendo substituído pelo arrepiante kitsch do chinês. As arcas foram abertas e saíram de lá algumas coisas: uma tonelada de crochet, panos da cozinha coloridos aos montes comprados na feira e, entre outras coisas, trabalhos incompletos. Um deles foi um patchwork clássico, chamado Cabana de Toras, que imagino que viria a ser uma colcha. Era coisa da minha avó… ela cortava as tiras, alinhavava tudo à mão e a tia Emília cosia na máquina. A minha mãe diz que “ela passava noites inteiras à volta dos trapos para no dia seguinte os levar à tia Emília”. Aqui a casa veio parar o grande pedaço já ligado e vários quadrados completos soltos.
Isto andou a rebolar por aqui alguns anos. Às vezes atrapalhava-me. Lavei-o para pensar no que fazer… e mais um ano debaixo da tábua de passar a ferro. Eu gostava deles, mas não queria fazer uma colcha com eles. Mas o quê? Nasceu A Naïf. Um montão de projectos, aprendizagens, pesquisas, e um bebé por inspiração. Uma inspiração que alimenta uma paixão que nasce espontânea e livre: os trapos! São tecidos a mais, revistas a mais, horas de tutoriais na net a mais! A última revista foi uma Coudre c’est facile, comprada em Aljezur (lol) com juras de que havia de fazer alguma coisa dali. É uma revista francesa dedicada à tradução de revistas de costura japonesas <3 . As juras moeram-me a consciência. Folheei a revista exaustivamente até que, o raio do patchwork me voltou a atrapalhar o serviço de passar a ferro! e plim plim coisas que não se explicam… os neurónios do casaco da Kim conheceram os neurónios do patchwork da avó Laura.
A Ana vai ter um casaco! e se correr bem… faço mais (conforme a política de produção da loja A Naïf). Naturalmente, o entusiasmo levou-me à loucura. Um casaco??? Um casaco tem mangas! Um casaco… é aprender mais um bocadinho e este até nem é complicado!! Mas… e o francês, e os moldes nem têm costuras….. oh!! Mas esta ideia… tem de ser!! E tem de ser quentinho… (as ideias a saltar na hora de dormir)… com polar! Os polares que vi na baixa eram horrendos por isso andei a pesquisar na etsy (lindos!!! americanos com despesas de envio too much!), mas fui encontrar o escolhido no ebay, na loja da Tia Knight (UK) (não foi barato, mas é ma.ra.vi.lho.so e não cria borboto!). Tinha de ser super quente… mais uma camada de pasta de enchimento que andava a ocupar espaço por aqui.
Estava eu a acabar o casaco, vem a minha mãe de visita. Ficou encantada com o que estava a fazer e solta-se-lhe: este tecido era de um vestido que a Tia Emília me fez assim e assado. Ah! e este é de uma calças blá blá. O quê?? Ah! este é.. Este cor-de-rosa é das nossas batas da escola. As meninas iam de rosa e ela fazia-nos umas batas lindas. O QUÊ??? Mas isso já foi…. há 60 anos!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Este tecido cor-de-rosa tem 60 anos???????????????????? E este, pelo menos 50, que eu era uma jovenzinha… ah! e ficava-me tão bem!!! bla bla blava o trânsito!!!
Este casaco veio de longe para a minha filha. Este casaco tem um pouco da pré-história dela.
Uma casaco lindo, que veste histórias maravilhosas!
Parabéns!
CarlaSB
[…] O molde foi feito à mão, riscado a partir de uma calças usadas da Ana mais uma cauda com enchimento leve com restos de linhas e tecidos em estado de desperdício. A camisola foi feita de igual modo e para o capuz usei o molde (com alterações para acrescentar as orelhitas) do casaco A Naïf. […]
Bom dia. você pode passar seu telefone de contato!
Vanessa, respondi através do facebook.
[…] Dele nasceu a concretização desta Blusa Napperon❤ , que superou o meu orgulho de fazer o Casaco Naïf! A-DO-RO!!!! Há algo no trabalho que vem de longe que me faz chegar mais […]
Acho tão bonito que o casaco tenha esses pedaços de história e de histórias, e que um dia a tua filhota vai olhar para o casaco e ler essas histórias e, mais tarde, contá-las à geração seguinte. Comove-me e faz-me sorrir! E dá-me vontade de ir a correr ter com a minha mãe e as minhas avós, e obrigá-las a contar-me tudo sobre todos os “trapos” que têm guardados, com um caderno e uma máquina fotográfica nas mãos com medo de esquecer algum detalhe…
Tenho tantas vezes esse impulso! Parece que há coisas que vão desaparecer sem serem contadas… Até histórias que elas contam que eu já não as sei contar a minha filha. Acho que é o mundo a girar, é mesmo assim. Mas lá vamos resgatando o que nos equilibra. 😃
[…] nasceu a concretização desta Blusa Napperon <3 , que superou o meu orgulho de fazer o Casaco Naïf! A-DO-RO!!!! Há algo no trabalho que vem de longe que me faz chegar mais […]